25/04/2012

International Higher Education

Crescimento econômico e políticas de educação superior no Brasil: qual a relação?

Simon Schwartzman
Presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), Rio de Janeiro. E-mail: simon@iets.org.br
International Higher EducationO Brasil é uma das novas "economias emergentes". O país está demonstrando sua força com o intuito de tornar-se um importante participante no cenário internacional e, assim sendo, precisa de boas instituições universitárias capazes de produzir os cientistas e engenheiros necessários à manutenção desse ritmo. Portanto, são também necessárias políticas claras para melhorar o padrão das universidades e a qualidade das instituições de ensino superior com base numa identificação clara das prioridades. Entretanto, contrariando as suposições e expectativas dos observadores externos, o Brasil não conta com uma estratégia desse tipo.
 
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O Brasil vivenciou ciclos de rápido crescimento econômico nos anos 1930; após a 2ª Guerra Mundial; nos anos 1970; e novamente depois de 2002. Cada um desses ciclos pode ser explicado por condições externas favoráveis – a renda gerada pelos setores da agricultura e da mineração, o influxo de investimentos estrangeiros e o emprego de tais recursos no financiamento de um setor público cada vez maior, a constante transferência da população do interior para os centros urbanos e a criação de um mercado consumidor interno cada vez maior. Tais desenvolvimentos foram também precedidos por reorganizações internas da economia, pelo controle da inflação e pelo aumento da capacidade do governo de elevar os impostos, como ocorreu no fim dos anos 1960 e, mais recentemente, nos anos 1990. Em nenhum dos ciclos encontramos um elo causal entre o crescimento econômico e os investimentos na educação, na ciência e na tecnologia. Ao contrário: a causalidade parece funcionar no sentido oposto. Com mais recursos à sua disposição, os governos se tornaram mais generosos e dispostos a responder às demandas de uma classe média emergente em busca de mais benefícios, incluindo o acesso gratuito ao ensino. Assim sendo, a rede já existente de universidades federais foi criada durante o período de expansão econômica que se seguiu à 2ª Guerra Mundial; e a rede atual de ensino de pós-graduação, pesquisa e tecnologia foi criada no fim dos anos 1970, quando o "milagre econômico" dos anos anteriores estava prestes a implodir.
 
O período de prosperidade econômica dos últimos dez anos foi alimentado principalmente pela estabilidade macroeconômica alcançada no fim dos anos 1990, pelos ventos favoráveis no comércio internacional que sopravam da China, e pela capacidade de um pequeno setor da economia – principalmente o agronegócio e as mineradoras. Com a estabilização econômica, os juros altos e uma moeda supervalorizada, o país se tornou atrativo para os investimentos estrangeiros, gerando mais empregos e oportunidades para as classes médias.
 
Expansão dos gastos públicos e o ensino
Com a economia crescendo a um ritmo constante de 4% a 5% ao ano, os gastos públicos aumentaram para quase 40% do PIB, sendo que a maior parte desse gasto consiste nas despesas do sistema previdenciário, no pagamento dos servidores públicos e na quitação dos encargos da dívida pública. O governo federal foi beneficiado com a ampliação da base de arrecadação e distribuiu alguns benefícios aos pobres por meio de programas condicionais de transferência de renda e aumentos no valor do salário mínimo; ajudou também os servidores civis com o crescimento dos seus quadros, o aumento nos salários e nos benefícios sociais; ajudou os ricos, oferecendo subsídios baratos e contratos generosos para serviços e obras públicas; e ajudou os aliados políticos por meio do clientelismo generalizado e da tolerância diante da corrupção. Para a classe média, um dos benefícios foi o acesso cada vez mais amplo ao ensino superior gratuito nas instituições públicas e privadas, bem como a ação afirmativa em resposta às demandas dos movimentos sociais organizados.
 
Nenhuma dessas opções exigiu uma política nacional para o ensino superior de qualidade e para um desenvolvimento efetivo dos aspectos mais economicamente relevantes da ciência e da tecnologia. O Brasil gasta atualmente cerca de 5% do seu PIB na educação, principalmente por meio do investimento estadual e municipal em escolas do ensino primário e secundário. Apesar dos recentes investimentos nas universidades públicas, as provisões cobrem cerca de 25% do número de matrículas. Embora algumas instituições e escolas profissionais sejam de boa qualidade, a maioria não é; e não existe mecanismo para estimular os ganhos de qualidade. As avaliações realizadas pelo governo só afetam os institutos particulares de Direito e Medicina que apresentam desempenho pífio, principalmente em resposta à pressão das corporações profissionais. As pesquisas e o ensino no nível de pós-graduação continuam a se expandir, principalmente no Estado de São Paulo, em determinadas universidades federais e numa rede de institutos federais de pesquisa. Trata-se sem dúvida do maior sistema de pesquisa, desenvolvimento e ensino de pós-graduação de toda a América Latina. Mas as pesquisas limitam-se principalmente ao âmbito acadêmico, com uma produção baixa em termos de patentes e tecnologia aplicada, sendo frágil o seu elo com as necessidades econômicas e sociais do país.
 
Eis aqui alguns exemplos contrários: a Embraer, bem-sucedida fabricante brasileira de aviões, nasceu do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) – um instituto de tecnologia e faculdade de engenharia criado pela Força Aérea; e ao menos parte das conquistas brasileiras na agricultura pode ser explicada pelas novas variedades desenvolvidas pela Embrapa, a agência brasileira de pesquisas em agricultura. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), agência de treinamento vocacional administrada pela Federação das Indústrias, tem um histórico de sucesso na qualificação de trabalhadores especializados para o setor industrial. É notável que todos esses exemplos estejam fora dos domínios do Ministério da Educação e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
 
Em resumo, conforme a sociedade brasileira modernizou-se e sua economia cresceu, as instituições de ensino superior também expandiram suas dimensões e algumas chegaram até a aprimorar sua qualidade; tudo isso fez – e ainda faz – parte de uma mesma onda. Sem dúvida, o ensino superior não poderia ter crescido na ausência do desenvolvimento econômico, mas o contrário não é verdadeiro (ao menos até o momento), por mais que as coisas possam mudar no futuro.
 
O futuro
Tal situação pode estar se transformando. Conforme se torna mais complexa e sofisticada, a economia passa a exigir uma população mais qualificada e pesquisas mais relevantes. Há sinais de que isto já está ocorrendo, com novas empresas queixando-se da ausência de engenheiros qualificados e técnicos de nível intermediário, enquanto corporações multinacionais importam mão de obra qualificada do exterior. Para responder a essa situação, o ensino superior no Brasil terá de alterar suas prioridades, deixando de lado o crescimento descontrolado e a facilidade de acesso para dar mais espaço à qualidade e à relevância – uma transição nada fácil.